Vejamos aqui a sabedoria de Deus,
que pode fazer com que todas as coisas imagináveis se voltem para o bem
dos santos. Ele pode, por uma química divina, extrair ouro da escória. “Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus!”
(Rm 11.33). É o grande propósito de Deus expor a maravilha de Sua
sabedoria. O Senhor fez com que a prisão de José fosse um degrau para a
sua promoção. Não havia qualquer possibilidade de Jonas ser salvo,
exceto sendo engolido pelo grande peixe. Deus permitiu que os egípcios
odiassem a Israel (Sl 106.41), e esse foi o meio para a sua libertação.
São Paulo estava amarrado em correntes, e aquelas correntes que o
prendiam foram o meio para a propagação do evangelho (Fp 1.12). Deus
enriquece um homem ao fazê-lo empobrecer; Ele provoca um aumento de
graça ao diminuir o seu patrimônio. Quando as criaturas se afastam de
nós é que Cristo pode estar mais perto de nós. Deus trabalha de maneira
estranha. Ele traz ordem da confusão, harmonia da discórdia. Ele
frequentemente faz uso de homens injustos para fazer aquilo que é justo.
“Ele é sábio de coração” (Jó 9.4). Ele pode obter glória para
Si por meio da fúria dos homens (Sl 76.10): ou os ímpios serão impedidos
de fazerem o mal que pretendem, ou eles serão levados a fazerem o bem
que não intencionam. Deus frequentemente traz auxílio quando há menos
esperança, e salva o Seu povo daquela maneira que eles pensavam fosse
causar-lhes destruição. Ele fez uso da malícia do sumo sacerdote e da
traição de Judas para redimir o mundo. Movidos por cólera imprudente,
nós podemos encontrar defeito nas coisas que acontecem; como se um
analfabeto pudesse censurar a filosofia, ou se um homem cego pudesse
encontrar defeito num trabalho de jardinagem. “Mas o homem estúpido se tornará sábio, quando a cria de um asno montês nascer homem”
(Jó 11.12). Agindo assim, animais tolos estariam acusando a
Providência, e chamando a sabedoria de Deus aos limites da razão. Os
caminhos de Deus são “inescrutáveis” (Rm 11.33). Eles são para serem
admirados, ao invés de investigados. Nessa admiração, nós não vemos
nunca a providência de Deus em si, mas a misericórdia ou a maravilha que
há nela. Quão estupenda e infinita é essa sabedoria, que faz as
circunstâncias mais adversas cooperarem para o bem dos Seus filhos!
(6) Aprendamos quão poucas razões nós
temos, então, para ficarmos descontentes diante de tribulações
exteriores e emergências! Como assim? Ficar descontente com aquilo que
nos fará bem! Todas as coisas cooperam para o bem. Não há pecados aos
quais o povo de Deus esteja mais sujeito do que a incredulidade e a
impaciência. Eles estão sempre prontos, seja para desmaiarem em
incredulidade, seja para se irritarem em impaciência. Quando os homens
se enfurecem contra Deus por descontentamento ou impaciência, isso é um
sinal de que eles não creem neste texto. Descontentamento é um pecado
ingrato, porque todos nós temos mais misericórdias do que aflições; e é
um pecado irracional, porque as aflições cooperam para o bem.
Descontentamento é um pecado que nos leva a mais pecados. “Não te indignes para fazer o mal”
(Sl 37.8, ARC). Aquele que se indigna estará pronto a fazer o mal:
Jonas se indignou e, por isso mesmo, pecou (Jonas 4.9). O diabo abana as
brasas da cólera e do descontentamento, e então aquece a si mesmo
naquele fogo. Oh, que nós não venhamos a nutrir essa serpente abrasadora
em nosso peito. Que este texto produza paciência em nós: “Todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus”
(Rm 8.28). Devemos nós ficar descontentes com aquilo que coopera para o
nosso bem? Se um amigo atirasse uma sacola de dinheiro no outro e, ao
jogá-la, a sacola raspasse em sua cabeça, ele não ficaria muito
incomodado, tendo em vista que por meio daquilo ele acabara de obter uma
sacola de dinheiro! Assim também o Senhor pode nos ferir com aflições,
mas isso é para nos enriquecer. Essas aflições produzem para nós um peso
de glória, e nós ficaríamos descontentes?
(7) Vejamos aqui o cumprimento daquela Escritura: “Com efeito, Deus é bom para com Israel”
(Sl 73.1). Quando nós atentamos para essas providências adversas, e
vemos o Senhor cobrindo o Seu povo com cinzas e nos embriagando com
absinto (Lm 3.15), nós podemos prontamente pôr em dúvida o amor de Deus,
e dizer que Ele trata severamente o Seu povo. Mas, oh não, ainda assim
Deus é bom para com Israel, porque Ele faz todas as coisas cooperarem
para o bem. Não é Ele um Deus bom, que transforma tudo em bem? Ele
remove o pecado e infunde a graça; isso não é bom? “Somos disciplinados pelo Senhor, para não sermos condenados com o mundo”
(1Co 11.32). A profundidade da aflição é para nos livrar da
profundidade da condenação. Que nós sempre justifiquemos a Deus; quando a
nossa condição exterior for a pior possível, que possamos dizer: “Ainda
assim, Deus é bom”.
(8) Vejamos que motivo os santos têm
para serem constantes nas ações de graças. Nisso os cristãos são
deficientes; embora eles sejam muitos no momento de súplica, ainda assim
são poucos no momento de gratidão. O apóstolo diz: “Em tudo dai graças”
(1Ts 5.18). Por que devemos fazê-lo? Porque Deus faz todas as coisas
cooperarem para o nosso bem. Nós agradecemos ao médico, embora ele nos
dê um remédio amargo e que nos dá náuseas, porque aquilo é para nos
curar. Nós agradecemos qualquer homem que nos dê algum bem-estar; e não
deveríamos ser gratos a Deus, que faz todas as coisas cooperarem para o
nosso bem? Deus ama um cristão agradecido. Jó deu graças a Deus quando
Ele lhe tirou tudo: “O SENHOR o deu e o SENHOR o tomou; bendito seja o nome do SENHOR!”
(Jó 1.21). Muitos dão graças a Deus quando Ele dá; Jó deu graças a Deus
quando Ele lhe tirou, porque ele sabia que Deus faria aquilo tudo
resultar em bem. Nós lemos acerca de santos com harpas em suas mãos (Ap
14.2), um emblema de louvor. Nós encontramos muitos cristãos que possuem
lágrimas em seus olhos e queixas em seus lábios; mas há poucos com
harpas em suas mãos, que louvam a Deus na aflição. Ser grato na aflição é
uma obra peculiar aos santos. Todo pássaro pode cantar na primavera,
mas alguns pássaros cantarão no cair do inverno. Praticamente todos os
homens podem ser gratos na prosperidade, mas um verdadeiro santo pode
ser grato na adversidade. Um bom cristão bendirá a Deus não apenas no
amanhecer, mas também no pôr do sol. Que nós possamos seguramente, na
pior circunstância que nos sobrevier, ter um salmo de gratidão, porque
todas as coisas cooperam para o bem. Oh, que sejamos frequentes em
bendizer a Deus: nós daremos graças a Ele que nos trata com favor.
(9) Pensemos: se as piores coisas
cooperam para o bem do crente, o que dizer das melhores coisas – Cristo e
o céu! Quanto mais devem essas coisas cooperar para o bem! Se a cruz
tem em si tanto bem, o que dizer da coroa? Se tão preciosos cachos
crescem no Gólgota, quão delicioso é aquele fruto que cresce em Canaã?
Se há alguma doçura nas águas de Mara, o que dizer do vinho do Paraíso?
Se a vara de Deus possui mel em sua ponta, o que há em Seu cetro de
ouro? Se o pão da aflição é tão saboroso, o que dizer do maná? O que
dizer do alimento celestial? Se os golpes e ataques de Deus cooperam
para o bem, que efeito terão os sorrisos de Sua face? Se tentações e
sofrimentos têm em si uma substância de alegria, que substância a glória
terá? Se tanto bem procede do mal, em que então consistirá aquele bem
no qual não há mal nenhum? Se as misericórdias que procedem da
disciplina de Deus são tão grandes, como serão as misericórdias que
procedem da coroação? Que possamos confortar uns aos outros com essas
palavras.
(10) Consideremos que, se Deus torna
todas as coisas para o nosso bem, quão justo é que nós deveríamos fazer
todas as coisas servirem à Sua glória! “Fazei tudo para a glória de Deus”
(1Co 10.31). Os anjos glorificam a Deus, eles cantam hinos divinos de
louvor. Assim também devem glorificá-Lo os homens, aqueles por quem Deus
tem feito mais do que em favor dos anjos! Ele nos dignificou acima dos
anjos, ao unir a nossa natureza com o Cabeça. Cristo morreu por nós, não
pelos anjos. O Senhor nos deu não apenas do tesouro comum de sua
generosidade, mas Ele nos enriqueceu com as bênçãos da aliança, Ele nos
concedeu o Seu Espírito. Ele atenta para o nosso bem-estar; Ele faz
todas as coisas cooperarem para o nosso bem; a sua livre graça elaborou
um plano para a nossa salvação. Se Deus busca o nosso bem, não
deveríamos nós buscar a Sua glória?
Pergunta. Como pode ser dito
adequadamente que nós devemos glorificar a Deus, se Ele é infinito em
Suas perfeições, e não pode obter qualquer incremento de nossa parte?
Resposta. É verdade que, em um
sentido estrito, nós não podemos dar glória a Deus, mas, em um sentido
evangélico, nós podemos. Quando nós tomamos aquilo que há em nós para
erguer o nome de Deus no mundo, e para levar outros a nutrirem
pensamentos altos e reverentes acerca de Deus, isso é interpretado pelo
Senhor como Sua glorificação; do mesmo modo como se diz que um homem
desonra a Deus, quando ele faz com que o nome de Deus seja mal-falado.
Nós somos convocados a fazer a glória de
Deus avançar de três maneiras: (i) Quando nós almejamos a Sua glória;
quando nós fazemos Dele o primeiro em nossos pensamentos, e o nosso alvo
final. Assim como todos os rios correm para o mar, e todas as linhas se
encontram no centro, assim todas as nossas ações terminam e têm o seu
centro em Deus. (ii) Nós fazemos a glória de Deus avançar ao sermos
frutíferos na graça. “Nisto é glorificado meu Pai, em que deis muito fruto”
(Jo 15.8). Esterilidade demonstra desonra para com Deus. Nós
glorificamos a Deus quando nós crescemos em formosura como o lírio, em
altura como o cedro, em fertilidade como a videira. (iii) Nós
glorificamos a Deus quando nós damos todo o louvor e glória por tudo
aquilo que fazemos a Deus. Foi o caso de um excelente e humilde discurso
de um rei da Suécia: ele temia que o povo atribuísse a ele aquilo que
era devido a Deus e, por causa disso, fosse removido antes que sua obra
estivesse concluída. Quando a lagarta da seda tece a sua curiosa obra,
ela esconde a si mesma sob a seda, e não é vista. Quando nós tivermos
feito o nosso melhor, devemos desaparecer de nossos próprios
pensamentos, e transferir toda a glória a Deus. O apóstolo Paulo disse: “Trabalhei muito mais do que todos eles”
(1Co 15.10). Alguém poderia considerar esse discurso recheado de
orgulho; mas o apóstolo arranca a coroa de sua própria cabeça, e a põe
sobre a cabeça da livre graça: “Todavia, não eu, mas a graça de Deus comigo”.
Constantino costumava escrever o nome de Cristo sobre a porta, e nós
deveríamos fazer o mesmo sobre os nossos deveres. Sendo assim,
esforcemo-nos para fazer o nome de Deus glorioso e renomado. Se Deus
busca o nosso bem, busquemos a Sua glória. Se Ele faz todas as coisas
servirem à nossa edificação, façamos todas as coisas servirem à Sua
exaltação.
É o que nos basta falar acerca do privilégio mencionado em nosso texto.
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