segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Razões Psicorreligiosas


 Tanto o catolicismo romano como o protestantismo histórico tenderam, de forma até inconsciente, à paulatina erradicação de elementos mais contemplativos e emocionais nas suas práticas religiosas. Esta sublimação do místico, tão necessária à experiência pessoal de alguns, começou a ser resgatada pelos movimentos de reavivamento e santidade no século XIX, em atitude francamente contrária à frieza institucional. Estava aberto o caminho para o surgimento de fenômenos espirituais espontâneos como os observados hoje no movimento pentecostal.

Pode-se considerar, em primeiro lugar, que as igrejas pentecostais surgiram como uma reação diante da incapacidade das igrejas tradicionais de se tornarem menos estáticas. Ativeram-se, quase que exclusivamente, com a racionalidade do religioso e perderam os elementos “espirituais”. Assim, o surgimento do movimento pentecostal significa, em certo sentido, a recuperação do místico, do emotivo na vida religiosa. Deus não é um Ser distante, coberto de racionalidade, mas é pessoal e atua diretamente no ser humano. Esse formato de religiosidade, mais próximo das emoções do que do credo, se cristaliza em igrejas com pouca bagagem teológica e doutrinária, mas com um sentido destacado de proximidade com o “divino”. [30]

Podemos observar também a gradativa perda da capacidade de mobilização das massas por parte das igrejas tradicionais. Não se adaptaram de pronto ao processo de secularização tecnológica e à explosão do poder da mídia. Tornou-se, assim, complicado para as igrejas históricas promoverem grandes mobilizações e manterem cheios os templos. Parecem não mais poderem influir de forma direta no controle dos membros e na fixação de valores. Em contrapartida, por suas características mais populares e por serem mais ágeis nas tomadas de decisão (empresas), observa-se que os movimentos pentecostais conseguem com facilidade a mobilização das massas. O resultado é evidente: enormes locais de culto sempre abarrotados.

Não temos o direito de nos determos na questão da ocorrência ou não de reais conversões no contexto de uma determinada igreja pentecostal. O fato é que os resultados observados em muitos dos membros revelam transformações substanciais no comportamento. Nota-se que há uma significativa mudança em hábitos e costumes que resultam em serenidade, paz, alegria, saúde, sensibilidade aos assuntos familiares, estabilidade financeira, etc. [31] As contingências da vida, normalmente associadas com a frustração e desespero, dão lugar agora à esperança de uma vida melhor, sob o ação do “sagrado”. Alguém poderia apontar tais transformações como subprodutos da alienação, fanatismo ou ingenuidade. Contudo, o membro fiel de um movimento pentecostal parece ter entrado numa esfera superior, que transcende a sua realidade cotidiana. [32] Imaginemos, por exemplo, um determinado trabalhador braçal que mora na periferia da zona sul de São Paulo. Tem de levantar às 4h todas as manhãs para chegar ao “serviço” às 7h30. Toma duas conduções apinhadas. Durante todo o dia, trabalha duro e ganha pouco. Sofre pressões do chefe e de alguns colegas. Come apenas o conteúdo de uma marmita à base de feijão e arroz. E depois deste “dia”, exausto, volta para casa. Mas antes do descanso, dá uma passada rápida na sua igreja. Lá ele não é o oprimido; lá ele é um dos líderes; lá ele é especial, batizado com o “Espírito”. Com todas as manifestações fenomenológicas de catarse coletiva que podem ocorrer neste culto, o referido trabalhador parece ter sido energizado. Como uma droga mística, tudo parece melhor, resolvido. Tudo parece “curado”. Tem Deus ao seu lado!

Outra razão a considerar no crescimento das igrejas pentecostais é decorrente de um traço cultural bem arraigado no povo brasileiro: a mania de tirar “vantagem” em tudo. Este aspecto mais “profano” é acompanhado, de forma invariável, pela procura de soluções fáceis a situações complexas. Tais vantagens podem estar inspiradas em motivos variados, como por exemplo, os financeiros, onde se pode ganhar dinheiro fácil ao ser “dono” de uma igreja, ou ainda por razões meramente pessoais, no sentido de autopromoção e auto-afirmação. Do ponto de vista do miraculoso, não seria muito mais vantajoso e prático receber uma “cura instantânea” do que ter que enfrentar um tratamento de saúde prolongado e sofrido?

Nas igrejas pentecostais observa-se também uma democratização do religioso, artigo bastante escasso nas igrejas históricas. Para ser um líder, um pastor pentecostal, não é necessário que se galgue uma carreira acadêmica, com anos de preparo. Basta um “chamado”, uma capacitação especial, e qualquer um pode chegar lá. Além disso, os pastores de igrejas tradicionais, como profissionais, muitas vezes parecem distantes das carências reais de sua comunidade. Agora, quando este líder espiritual é oriundo do meio, como é o caso com a maioria dos pastores pentecostais, sua compreensão do sentido da vida, dos sofrimentos e aspirações de seus membros se torna um elemento poderoso de comunicação e influência. Afetam muito mais. Além disso, em virtude do “miraculoso”, tais pastores têm a facilidade de representarem uma mediação mais efetiva entre os céus e a terra. Falam a linguagem que o povo quer e gosta de ouvir. Contraste-se tal realidade com a frieza litúrgica importada de culturas anglo-saxônicas comum às igrejas históricas, que custam a se adaptarem à cultura brasileira. Muitas das igrejas pentecostais obtêm sucesso por dependerem exclusivamente de lideranças autóctones, não importadas; gente do próprio povo que entende suas necessidades.

Esta democratização pode ser analisada ainda por outros ângulos. A carga em elementos emocionais da religião oferece participação mais efetiva ao universo feminino. Enquanto que as igrejas tradicionais colocam peso no masculino, o mundo pentecostal rompe a barreira do gênero e abre reais possibilidades à mulher na igreja. Elas deixam de ser figurantes e passam a ser líderes, a serem pastoras. Ainda, sobre a ênfase do emocional, observa-se que as igrejas pentecostais carregam na valorização da música, em todas as suas manifestações. Grade parte da música é próxima do gosto da comunidade. A liberdade litúrgica advinda do prestígio dos sentimentos acrescidos da música, da presença do “sagrado” e da participação efetiva da massa, fazem do culto pentecostal um momento de democracia religiosa. Mesmo que ruidoso, todos podem participar e estão abertos ao espetacular.

Sem a menor dúvida, o crescimento do movimento pentecostal deve muito também à formação religiosa do povo brasileiro. Por quatro séculos se estabeleceu aqui uma forma de catolicismo, chamada de popular, com características essencialmente leigas. Por razões históricas incontestáveis, o modo de expressar religiosidade foi cultivada sem a presença efetiva da Igreja Católica Romana, a religião oficial. [33] Assim, crendices populares, tradições indígenas e africanas foram justapostas a um catolicismo de origem medieval, resultando numa manifestação cultural-religiosa difícil de ser desarraigada. Esta expressão de religiosidade sincretista leiga, gestada a partir de irmandades, confrarias e organizações de caridade, dão ainda hoje o ritmo do comportamento religioso do povo brasileiro. Assim, quando as igrejas pentecostais valorizam a participação leiga estão indo ao encontro das tradições religiosas mais profundas. As camadas populares sentem uma “atração magnética” a esta religiosidade expressa sem estruturas institucionais fortes que dividem o povo do “clero”. O culto é para todos e todos devem participar em condições de igualdade. É em virtude do catolicismo popular que observamos a valorização pentecostal de elementos comuns, do dia-a-dia, que ao receberem uma determinada “bênção”, se tornam sagrados. Um copo com água, um sabonete, uma chave e um pouco de óleo são manipulados agora como mediadores de salvação, e não a igreja institucional em si.

Destacamos, por último, a prontidão das igrejas pentecostais em lidarem com dificuldades existenciais. E nos momentos de crises pessoais, tais como doenças, uso de drogas, desemprego, que o ser humano se torna vulnerável, independendo de sua condição financeira ou social. Necessita de pronta ajuda e aquiesce a um convite para participar de um culto de libertação, num lugar onde lhe é oferecida solução rápida para a aflição que o esmaga. No cristianismo tradicional, soluções são vislumbradas num futuro distante, muitas vezes de caráter etéreo, num céu intocável. Em contrapartida, muitos dos membros das igrejas pentecostais se filiaram a elas por receberem, mesmo que de forma psicológica ou meramente paliativa, resolução pronta aos seus problemas. E certo que muitos são literalmente explorados em sua ingênua vulnerabilidade. É evidente ainda que muitos abandonam a igreja após se esquecerem da “graça” recebida. Isto está evidente na enorme fluidez de membros entre as igrejas pentecostais, que chegam até a concorrerem entre si, numa lei de mercado, na oferta de benefícios materiais ou espirituais. Não devemos nos esquecer, contudo, que o cristianismo autêntico não pode se concentrar apenas no amanhã.

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