Tempo de ser livre
Era uma sala pequena e simples, com algumas cadeiras e uma secretária a meio, onde se sobrepunham papéis, aqui e ali desalinhados, todos eles timbrados em letras de cor preta: Direcção dos Serviços de Justiça.
A dado momento, entraram os dois jovens adultos, acompanhados por guardas prisionais. Visivelmente nervosos, viviam uma emoção, ou um turbilhão delas, com que pareciam não saber bem o que fazer, se rir se chorar. Foi-lhes indicada a linha onde deveriam assinar, nos documentos colocados diante de si.
Conhecia-os bem. Tinham sido anos a falar com cada um deles, em que haviam partilhado comigo os seus sentimentos, dificuldades, medos e sonhos, ou em reuniões no conhecido Bloco 7, a área de máxima segurança da prisão, onde ocasionalmente uma dúzia de reclusos debatiam ideias e projectos comigo e entre si. Ali tinham formado um grupo musical, que ganhara popularidade nos momentos festivos da prisão, sobretudo nas festas de Natal e do início do Ano Novo Chinês. Era o apoio possível, a meio do peso das longas penas que tinham que cumprir. Há tanto tempo não sabiam o que era caminhar livremente pela rua. Embora a prisão se situasse em Coloane, uma ilha de belas praias, há anos que não mergulhavam nas águas mornas de Hác-Sa ou de Cheoc Van, nem repousavam sobre a areia macia ou desfrutavam simplesmente do prazer de um passeio à beira-mar.
Hoje viviam a concretização do sonho, o maior de todos. Depois de 11 anos de prisão, iriam ser libertados. Tinham beneficiado de Liberdade Condicional, num dia do mês de Abril, a que o juiz parecera juntar algum sentido de humor, pois fizera coincidir com a data de aniversário de um deles.
Todos sabíamos que, a princípio, iria ser uma liberdade desajeitada. Eles próprios já davam conta disso, ao dizer-me, com preocupação: “É preciso telefonar à nossa família para nos vir buscar. Macau deve estar tão diferente que não saberemos como ir ter à nossa casa.” Nas poucas viagens que haviam feito ao hospital, ao espreitar pelas frestas do carro celular tinham percebendo algumas diferenças, o bastante para se imaginarem perdidos na cidade que os vira nascer e crescer.
Iriam ter dificuldade em atravessar a rua, apanhar os transportes públicos… Eles ouviam relatos disso em colegas de reclusão que haviam regressado, depois de cumpridos anos de prisão e de um breve tempo de liberdade no exterior. Seriam as limitações iniciais, a que o tempo acabaria por devolver a normalidade. Iriam procurar reaproximar-se de amigos e de familiares, reconstruir afectos que pareciam perdidos, recuperar a sensibilidade e a genuinidade das coisas… Tudo iria valer a pena, eram livres! Momentos depois, o enorme portão de metal cinzento abria-se para lhes dar passagem. Iniciavam agora uma nova vida.
Deus tem prazer em abrir portas das celas e em remover algemas. Diz a Bíblia: “O espírito do Senhor DEUS está sobre mim; porque o SENHOR me ungiu, para pregar boas novas aos mansos; enviou-me a restaurar os contritos de coração, a proclamar liberdade aos cativos, e a abertura de prisão aos presos;”(Isaías 61:1)
Não se refere a edifícios austeros, de muros elevados, cobertos de arame farpado. Trata-se, muitas vezes, de prisões bem mais subtis, interiores, e que até podem estar encobertas, passando despercebidas ao olhar alheio. Porém, são verdadeiras cadeias, que impedem que a vida flua, roubam a pureza e a naturalidade e não deixam concretizar sonhos. Podem manter-nos cativos de alguém ou de circunstâncias… E, se assim for, no íntimo nós sabemos disso.
São prisões tão ardilosas que, por vezes, até surgem na vida mascaradas de liberdade. Pensemos na ovelha perdida. Sozinha, pelos montes, ela é livre de ir para onde quiser. Será livre? Aparentemente é. Contudo, está presa pela insegurança de se saber perdida, pelo risco iminente de ser devorada. Só se sente verdadeiramente livre quando é transportada aos ombros do pastor para um lugar seguro. (S. Lucas 15:4,5)
O filho pródigo, é livre? Sim, ele vai para onde quer, gasta o que quer com quem quer. E nem o pai vai atrás dele, a medir-lhe os passos. A verdade é que ele corre “livremente” para a sua destruição. Só se torna verdadeiramente livre ao ser acolhido pelo pai. (S. Lucas 15:11-32)
Um homem entrega-se ao relacionamento que quer, totalmente seduzido. E diz o texto bíblico: “E ele logo a segue, como o boi que vai para o matadouro, e como vai o insensato para o castigo das prisões;” (Provérbios 7: 22)
É o abraço de Deus que nos liberta. É Ele que nos devolve a alegria de correr, de cumprir propósitos, amar e ser amados, ver a vida progredir. Ele regozija-se ao remover ataduras e despedaçar jugos. Ele devolve a verdadeira liberdade, tranquila e promissora, ainda que a princípio desajeitada, como sucedia com os reclusos, e que se traduz em muitas questões: como dinamizarei agora os meus dias, como viverei com novas prioridades, como reconstruirei afectos e relacionamentos fragilizados ou perdidos?
Tudo depende de uma decisão pessoal, porque Deus já está determinado em libertar. Ele ensinará a dar os passos seguintes e renovará sabores e aromas perdidos, porque existe um plano de vida bem melhor!
“Porque contigo entrei pelo meio de um esquadrão e com o meu Deus saltei uma muralha.” Salmo 18:29
FONTE:MULHER CRIATIVA
FONTE:MULHER CRIATIVA
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